segunda-feira, 21 de março de 2011

"Amores serão sempre amáveis"

Futuros amantes
(Chico Buarque)

Não se afobe, não
que nada é pra já
o amor não tem pressa
ele pode esperar em silêncio
num fundo de armário, na posta-restante
milênios, milênios no ar

E quem sabe, então, o Rio será
alguma cidade submersa
os escafandristas virão explorar sua casa
seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos

Sábios, em vão, tentarão decifrar
o eco de antigas palavras
fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos
vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
que nada é pra já
amores serão sempre amáveis
futuros amantes, quiçá
se amarão sem saber
com o amor que eu, um dia,
deixei pra você.

Nota: foi uma conversa que eu tive com a minha gêmea que me trouxe à memória imediatamente essa música, devido ao fato de ter sido usada por ela a expressão "no fundo de um armário".
E é no fundo de um armário que agora, representativamente, está o afeto que se encerra.
Não vou falar em "coisas jogadas fora", porque acho isso agressivo e doloroso demais, sinceramente. Nada aqui é digno de ser jogado fora. Eu não vou jogar nada fora.
Não quero mais falar sobre isso.

quarta-feira, 16 de março de 2011

"Por você e por mim, até o fim da vida"

Sujeito oculto
(Heróis da Resistência)

Então não abra a porta
não deixe que eu te enxergue
por você e por mim
até o fim da vida

Então suporte o peso
de não ter mais que a sombra
de ser o lado escuro
da minha face oculta

Não me procure
não tente me conhecer
eu sou o outro atrás de você

Então carregue o lixo
de dentro dos meus olhos
por você e por mim
até o fim da vida

Então me traia sempre
me traia enquanto eu durmo
é tudo que nos resta
meu irmão, meu duplo

Apague as pistas
e as pegadas por nós.

Nota: depois de muitos anos, tive vontade de ouvir essa música novamente.
Eu a ouvia muito em 2003.
"Por você e por mim, até o fim da vida".
O fim da vida.
O fim de tudo?
O fim?
"Então carregue o lixo de dentro dos meus olhos, por você e por mim, até o fim da vida. Então me traia sempre, me traia enquanto eu durmo..."
Eu adoro essa frase pela complexidade de sentidos que ela me desperta.
Quanta coisa a gente enxerga e guarda, não consegue esquecer... quanto lixo a gente assimila e não consegue se desfazer.
Quantas sombras, quantos vultos...
E há quem passe a vida toda tentando suportar o peso de não ser mais que a sombra. Até o fim da vida.

"Quando a gente tenta
de toda maneira
dele se guardar
sentimento ilhado
morto e amordaçado
volta a incomodar".
(Revelação; Clodô - Clésio)

sábado, 12 de março de 2011

A menina do lado

http://www.youtube.com/watch?v=xEFs0TEUD6g

Nem cinco minutos guardados
(Sérgio Britto - Marcelo Fromer)

Teus olhos querem me levar
Eu só quero que você me leve
Eu ouço as estrelas conspirando contra mim
Eu sei que as plantas me vigiam do jardim

As luzes querem me ofuscar
Eu só quero que essa luz me cegue
Nem cinco minutos guardados
Dentro de cada cigarro
Não há pára-brisas pra limpar
Nem vidros no teu carro

Meu corpo não quer descansar
Não há guarda-chuva contra o amor
O teu perfume quer me envenenar
Minha mente gira, gira
Como um ventilador
A chama do teu isqueiro
Quer incendiar a cidade
Teus pés vão girando igual
Aos da porta-estandarte

Tanto faz qual é a cor da sua blusa
Tanto faz a roupa que você usa
Faça calor ou faça frio
É sempre carnaval no Brasil

Eu estou no meio da rua
Você está no meio de tudo
O teu relógio quer acelerar
Quer apressar os meus passos
Não há pára-raio
Contra o que vem de baixo

Tanto faz qual é a cor da sua blusa
Tanto faz a roupa que você usa
Faça calor ou faça frio
É sempre carnaval no Brasil.

Nota: a primeira gravação dessa música foi feita no acústico MTV, no ano de 1997, sucesso de vendas.
Antes de começar a cantar, Sérgio Britto cita uma frase de Luiz Melodia na qual ele brilhantemente diz: "Carnaval, Carnaval, Carnaval... eu fico triste quando chega o Carnaval".
Eu adoro essa música...
Acho poética, suave, melódica e ao mesmo tempo muito intensa.
Linda, linda, linda...
Não é por acaso que essa música ilustra esse post de hoje: ela não tem saído da minha cabeça.
O Carnaval desse ano, definitivamente, pela sua atipicidade e intensidade, muito significou... MUITO significou.
Eu sou a menina do lado. A menina do quarto ao lado.
A moça de expressão fechada, que se incomoda com o barulho alheio e reclama, mas que é compreensiva, aceitou as desculpas que você pediu e mostrou todo um lado quente e doce, tão guardado, tão abafado, tão sufocado...
A moça que fuma na janela com a amiga, com quem divide o quarto.
A moça da gargalhada escandalosa, gostosa.
A moça do olhar distante, de poucas palavras, que desperta atitudes, provoca sensações e não decepciona (definitivamente, não decepciona).
Aquela moça que ele não sabe se verdadeiramente se chama Marília, se tem a idade, a profissão e a origem que informou...
É... aquela moça...
Mal sabe ele a mulher que habita as formas da moça que ele conheceu.
Ela não imaginaria que os desdobramentos seriam esses...
E assim, foi.